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Bebês: O novo manual de instruções da SBP

Papais e mamães, agradeçam aos avanços da pediatria: nunca foi tão simples cuidar das crianças pequenas. Basta estar atento aos sinais que elas nos dão, como mostra o primeiro guia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Não faz tanto tempo assim, os manuais para pais de bebês tinham uma rigidez que lembrava a das regras disciplinares do Exército: “Dê de mamar de três em três horas”, “Se a criança não quer ficar no berço, feche a porta e deixe-a chorar”, “Evite ficar com o bebê muito tempo no colo para não mimá-lo demais”. Era um tal de faça isso, não faça aquilo, isso pode, aquilo não, que muitos pais se sentiam impotentes para cumprir tantas normas. Para não falar da ansiedade criada com prazos aparentemente inexplicáveis. Um deles: se o meninão ou a princesinha não tirassem a fralda até os 2 anos, podia ser sinal de que alguma coisa estava errada em seu desenvolvimento. Dois anos! Mas, em meio a tantas revoluções, há uma em curso também na pediatria. Não se via nada igual desde o século XIX, quando a saúde da criança foi transformada em especialidade médica. Os avanços nos conhecimentos sobre a fisiologia e a psicologia infantil e os progressos nos exames de imagem permitiram desvendar boa parte do funcionamento do organismo dos pequenos. E as notícias trazidas pela ciência do bebê são animadoras. “Na verdade, cuidar deles é bem mais simples do que se imaginava”, diz o pediatra Marcelo Reibscheid, médico do Hospital e Maternidade São Luiz, em São Paulo. Atualmente, as orientações para a primeiríssima infância baseiam-se, em sua maioria, em sinais emitidos pelos principais interessados. É o caso da fralda. Podem estar certos, mamãe e papai, de que em algum momento, até os 4 anos de idade, o fofinho ou a fofinha começarão a dar sinais de que não precisam mais de um bumbum tão forradinho.

Essa nova e mais serena visão sobre a vida não tão complicada (mas nem por isso muito tranquila) dos bebês está esmiuçada no primeiro guia elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, o mais completo já lançado no Brasil. Publicado pela editora Manole, Filhos, da Gravidez aos 2 anos de Idade tem 376 páginas de pura autoajuda. Está tudo ali: como lidar com o choro, regular o uso da chupeta e aliviar as cólicas do seu queridinho, entre outras recomendações. Um dos capítulos mais interessantes refere-se à amamentação. O guia reforça a importância do aleitamento materno, mas vai além, ao não estabelecer horários pétreos. Seus autores concluíram que, como o leite materno é digerido muito rapidamente e como dois bebês não costumam mamar no mesmo ritmo ou com a mesma intensidade, é impossível fixar um intervalo regular entre as mamadas. O que vale agora é a chamada “mamada guiada” – o bebê determina quando e quanto se alimentar, o que o ajuda também a controlar os mecanismos da saciedade. Quer ter uma ideia da mudança que isso significa? Dê uma folheada em A Vida do Bebê, de autoria do pediatra carioca Rinaldo De Lamare, considerado ainda por muitos a bíblia dos cuidados com os filhos pequenos. Lançado pela primeira vez em 1941, o manual está em sua 42ª edição e já ultrapassou 7 milhões de cópias. Sobre amamentação, a cartilha de De Lamare preconiza que o tempo entre uma mamada e outra deveria ficar entre duas e quatro horas. “Mamada guiada”: sim, você aí, pingando leite, terá de ficar à disposição, na base do “venha a mim a criancinha”.

A partir do momento em que foi possível flagrar o cérebro dos bebês em atividade e acompanhar seu desenvolvimento, os rumos da pediatria mudaram drasticamente. Até o início da década de 80, as orientações dos pediatras aos pais eram feitas, sobretudo, por meio da observação pura e simples do comportamento infantil. As recomendações atuais são mais precisas porque baseadas em informações comprovadas cientificamente.

Cólicas, por exemplo: durante muito tempo, acreditou-se que as cólicas que castigam alguns bebês (e seus pais) nos primeiros três meses de vida eram consequência da má digestão. Disso resultavam receitas de remédios antigases. Pois não é nada disso. As dores abdominais são decorrentes da imaturidade do sistema nervoso central, que ainda não consegue coordenar os movimentos peristálticos do intestino. Ou seja, as cólicas são fruto das contrações irregulares da parede intestinal do bebê. Aos 31 anos, a nutricionista Andréa Santa Rosa tem três filhos – Felipe, de 10 meses; Nina, de 4 anos, e Pedro, de 6. As três crianças tiveram cólicas. Apesar da aflição pelo sofrimento que as dores acarretavam nos coitadinhos, Andréa nunca se desesperou. “O fato de eu saber que meus filhos tinham esse desconforto porque o sistema digestivo deles ainda não funcionava adequadamente me deixava menos ansiosa”, diz ela.

A alimentação dos bebês é outro capítulo em que ocorreram mudanças extraordinárias. Foi constatado que, como o sistema imunológico dos pequenos só amadurece por volta dos 2 anos, crianças com até essa idade são mais suscetíveis a alergias. Por isso, ao contrário do que se pregava antes, o leite de vaca deve ser evitado a todo custo, ao menos durante o primeiro ano de vida. E não adianta diluí-lo em água, de forma a torná-lo mais palatável ao bebê. Tal hábito está formalmente condenado pela Academia Americana de Pediatria desde o início dos anos 2000. Explica-se: o leite de vaca (diluído ou não) é riquíssimo em proteínas que o organismo dos bebês não está preparado para processar em quantidades elevadas. Quando as moléculas dessas proteínas caem na corrente sanguínea sem que tenham sido digeridas adequadamente, as células de defesa ainda imaturas do bebê podem identificá-las como agentes agressores e partir para o ataque. Resultado: pode aparecer um quadro de alergia alimentar.

Resultado: pode aparecer um quadro de alergia alimentar. A descoberta de como o organismo reage ao leite em seus primeiros anos de vida propiciou o aperfeiçoamento das fórmulas infantis. Além das proteínas modificadas do leite de vaca, as versões mais modernas, lançadas no início dos anos 2000, contêm probióticos, as bactérias do bem que ajudam a regularizar o ritmo dos intestinos e reforçam o sistema imunológico.

Ao assoprar as velinhas de seu segundo aniversário, a criança terá somado cerca de 130 bilhões de neurônios. É a etapa em que o ser humano mais desenvolve células nervosas. Sem as experiências dos primeiros anos de vida, no entanto, eles são um livro praticamente em branco. “Os neurônios precisam de estímulos para que formem conexões fortes e amplas”, diz o pediatra Fernando Fernandes, da Universidade Federal de São Paulo. De acordo com os estudos do economista americano James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de 2000, quanto antes uma criança for estimulada, maior será a chance de ela se tornar um adulto bem-sucedido – com mais recursos cognitivos e emocionais para enfrentar a vida. Por estímulos, entenda-se desde o hábito de contar histórias até ouvir música e brincar com ela. Numa de suas pesquisas, Heckman demonstrou que uma criança de 8 anos que tenha tido sua memória estimulada aos 3, por meio de jogos, domina cerca de 12.000 palavras – o triplo de uma criança da mesma idade que não tenha recebido o mesmo incentivo. Um trabalho conduzido na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, revelou que os bebês que passam a maior parte de seu primeiro ano de vida no berço, sem muito contato físico com seus familiares, não se desenvolvem normalmente. Eles demoram a sentar e a andar. Ou seja, agrados e carinhos ajudam a fortalecer as conexões entre os neurônios, sobretudo aqueles responsáveis pelo equilíbrio e pela locomoção.

Estímulos em excesso, no entanto, podem fazer mal. Uma criança que é forçada a começar a escrever antes dos 5 anos tende a apresentar problemas de aprendizado. Um dos mais comuns é a troca do “p” pelo “b”. Até que ponto se deve exercitar um bebê? Voltemos aos preceitos da novíssima pediatria moderna: é ele que dará os sinais se papai e mamãe estão exagerando. “O interesse da criança é o melhor indicador da qualidade e da quantidade do estímulo oferecido”, diz o neuropediatra José Salomão Schwartzman. Se o garotinho de 3 anos demonstra interesse em aprender a escrever o próprio nome, mas se recusa a se aventurar em outras palavras, os pais não devem forçá-lo. Ele está simplesmente dando a entender que não está maduro o suficiente para ir além. Em meados do século passado, o pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott (1896-1971), um dos pioneiros em ressaltar a importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento emocional do ser humano, costumava dizer que “a maternidade se configura pela capacidade inata de segurar um bebê”. Ao que os especialistas de hoje acrescentariam: e de observá-lo. E de respeitá-lo. Não se sinta excluído: isso também vale para você, papai.

Depoimentos:

O BEBÊ É FORTE

“Com a minha primeira filha, Maria Luiza, de 5 anos, tive muita dor para amamentar no primeiro mês. Como eu não sabia fazê-la mamar, nem ela sabia sugar o leite, fiquei com o seio machucado. Mas, com a ajuda de um grupo de apoio à amamentação, aprendi a desfrutar esse momento que, na minha opinião, é o mais belo que há. Na criação da Maria Luiza, fui um pouco radical – não a deixei usar chupeta nem mamadeira, por exemplo. Com o Felipe, relaxei. Ele sempre usa chupeta uns quinze minutos antes de dormir. Na segunda gravidez, entendi que o bebê é forte, não morre por qualquer coisa, apesar de o corpinho dele parecer tão frágil.

Além dessas lições práticas, tive uma aprendizagem pessoal muito grande: eu era totalmente focada em mim e a maternidade me ensinou a olhar para o outro. Com os meus filhos, entendi que nada se consegue na base da força. Para mim, a maternidade é o que faz a mulher amadurecer, ser mais inteira.”
Maria Paula, atriz, 38 anos, com o caçula Felipe, de 1 ano e 3 meses

A MEDIDA DO BOM SENSO

“Não me considero uma mãe superprotetora. Como sou nutricionista, cuido com rigor da alimentação das crianças, mas, em relação ao resto, sou bastante tranquila. Deixei o Pedro e a Nina usarem chupeta até 1 ano e meio. O Felipe, que está com 10 meses, ainda usa. E só comecei a tirar a fralda lá pelos 2 anos, para eles não terem muitas perdas de uma só vez. O fato de já ter criado dois bebês me dá tranquilidade para cuidar do terceiro, embora ainda haja surpresas. Quando os dentes do Felipe começaram a nascer, por exemplo, ele vomitava. Eu nunca imaginei que as duas coisas tivessem relação. Foi minha sogra que me explicou que isso podia acontecer, e a pediatra confirmou. Conselhos e livros ajudam, mas acho importante a mãe reconhecer as informações que atrapalham. Lembro de ter lido que a criança precisa mamar a cada três horas. E a gente sabe que, na prática, não dá para ser tão rígido assim. No fim, ninguém conhece melhor o filho que a mãe.”
Andréa Santa Rosa, nutricionista, 31 anos, com o marido, Márcio Garcia, e os filhos, Felipe, de 10 meses, Pedro, de 6 anos, e Nina, de 4 anos

A VONTADE DE ACERTAR

“Os primeiros meses de cuidados com o bebê são os mais difíceis. É muita vontade de acertar e uma quantidade enorme de informações que acaba nos confundindo. Uma preocupação que eu tinha, no princípio, era que o Leon não soubesse distinguir entre fome e vontade de sugar o peito e, com isso, acabasse mamando demais e ficando acima do peso. Mas, com um mês, eu sabia o que era choro de fome. Uma coisa que me ajudou nos cuidados com ele foi criar rotina para tudo – dormir, comer, tomar banho.

Isso fez do Leon uma criança segura, estável, fácil de lidar. Quando começo a fechar a cortina do quarto, pegar o paninho dele, ele já sabe que é hora de dormir e em dez minutos pega no sono. Agora, aos 11 meses, está comendo os alimentos separadamente, para aprender a diferenciar os sabores. É desafiador você ter um papel tão essencial na construção do outro. Ao mesmo tempo, é incrível a experiência de ser mãe.”
Carla Marins, 41 anos, com Leon, aos 4 meses


Bytes dos bebês

O site do Bebê, da Editora Abril, recebe mais de 6,5 milhões de acessos por mês

Os pais angustiados – especialmente aqueles que estão às voltas com o primeiro filho – contam com uma facilidade inédita para obter informações rápidas e seguras sobre os cuidados com seu bebê. A televisão paga oferece excelentes programas sobre o tema. E a internet abriga vários sites que esclarecem as dúvidas mais frequentes. No Brasil, o mais consultado nesse segmento é o site do Bebê (www.bebe.com.br), da Editora Abril, que publica VEJA. Lançado há dois anos, recebe mais de 6,5 milhões de acessos por mês. Ele traz informações detalhadas sobre a gravidez e o desenvolvimento do bebê, abrangendo da concepção ao quinto ano de vida, e permite que o usuário faça consultas individualizadas. Sempre atualizado, o site também responde a questões mais circunstanciais: “Quando há uma epidemia, como a da gripe A, ouvimos os melhores especialistas para tratar do assunto”, diz Lúcia Helena de Oliveira, diretora de redação do site do Bebê. Outros sites atendem a demandas mais específicas. O Múltiplos (www.multiplos.com.br), por exemplo, dedica-se a orientar pais de gêmeos (ou trigêmeos, quadrigêmeos…).

Na televisão paga, há documentários e reality shows sobre os primeiros anos das crianças. O canal Discovery Home & Health é o que mais investe nessa seara. Exibe A chegada do Bebê, que a cada episódio acompanha a experiência de um casal nas primeiras 36 horas depois de a criança ser levada da maternidade para casa. “Essas produções ajudam os futuros pais, sobretudo os de primeira viagem, a ter uma ideia mais concreta das situações que poderão enfrentar”, avalia Marcelo Reibscheid, neonatologista do Hospital São Luiz, em São Paulo. Com mais informação científica, a série americana The Baby Human, exibida no ano passado pelo mesmo canal e com sua segunda temporada ainda sem data de exibição no Brasil, oferece um panorama substancial do processo de desenvolvimento dos bebês, com base em pesquisas conduzidas nos principais centros de estudo da infância no mundo. Entre o apelo do reality show e o esclarecimento científico, a minissérie Eu, Bebê – que estreou no GNT em maio e terá seus três episódios reprisados no canal nesta quinta-feira – traz o olhar objetivo de um naturalista sobre o desenvolvimento humano: o francês Laurent Frapat, renomado diretor de documentários sobre a vida animal, acompanhou os dois primeiros anos de cinco bebês. “São programas interessantes, sobretudo porque mostram como as crianças recém-nascidas se comunicam com o mundo à sua volta”, diz Dioclécio Campos Júnior, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.

A NOVA CARTILHA

AS CÓLICAS

O que se recomendava antes: a cólica era tida como sinal de má digestão, e por isso os pediatras receitavam remédios antigases

O que se recomenda hoje: a cólica só pode ser amenizada não eliminada. Entre os recursos mais idnicados, estão as massagens abdominais e compressas de água quente.

Comentário: A cólica está relacionada ao amadurecimento neurológico do bebê. Até ele completar 3 meses, o sistema nervoso ainda não coordena os movimentos peristálticos do intestino. A cólica surge das contrações irregulares da parede intestinal.

Revista Veja 14/10/09 por Adriana Dias Lopes

Denise Gurgel

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